sábado, 7 de setembro de 2013

O INCESTO NA HISTÓRIA UNIVERSAL


Por João Marinho

O incesto é um dos tabus mais persistentes da história humana. Entretanto, em tempos como os nossos, em que pretensos valores universais têm sido questionados e relativizados, não deixa de ser interessante abordar um tema espinhoso – e, para muitos, excitante – como esse.


Nem tão próximos

Incesto, em uma definição simples, é a prática de atividades afetivo-sexuais entre familiares próximos, normalmente proibidas por meio de códigos penais, convenções sociais e/ou crenças religiosas.

Apesar de parecer uma definição lógica, que de imediato diz quem são essas pessoas, o assunto é mais complexo do que se imagina, pois a definição de “familiares próximos” varia de sociedade para sociedade e ao longo da história.

Há comunidades que proíbem relações apenas entre parente ligados por nascimento; outras incluem os laços de casamento e adoção; para um outro grupo, a proibição se aplica apenas a ascendentes e descendentes. Nas sociedades em que casamento e sexo são praticamente sinônimos, proibir o casamento incestuoso automaticamente é proibir o sexo. Entre os povos que fazem distinção entre ambos, normalmente a restrição é aplicada às duas esferas.


O incesto no mundo

A título de exemplo, podemos listar algumas diferenças relacionadas ao incesto em algumas regiões do globo:

- China: talvez a sociedade em que o significado do incesto é mais amplo. Lá, são banidas relações entre quaisquer pessoas que tenham o mesmo sobrenome;
- Ilhas Trobriand (Oceano Pacífico): a tradicional sociedade dos habitantes dessas ilhas é matrilinear, o que significa que os filhos são tidos como pertencentes ao clã (família) da mãe. Assim, embora as relações entre pai e filha e entre mãe e filho sejam ambas proibidas, apenas a última é tida como incestuosa. Pelo mesmo motivo, relações entre um homem e sua tia, irmã de sua mãe, ou sua prima por parte da família materna também são proibidas. Entretanto, relações entre um homem e sua tia, irmã de seu pai, não são incestuosas – e casamentos entre homens e suas primas por parte da família paterna são comuns.

- Índia e Mundo Árabe: da mesma forma que em muitas áreas do mundo árabe, supõe-se que, no sul da Índia, cerca de metade dos casamentos ocorram entre primos de primeiro grau ou parentes próximos, notadamente tios e sobrinhas. No norte da Índia, considera-se a prática anormal.

- Ocidente: na maior parte dos países, o incesto relaciona-se aos laços sangüíneos. Nessa acepção, quase universalmente são proibidas relações entre os membros da família nuclear biológica: mãe e filho, pai e filha e irmãos. Nos dois primeiros casos, inclusive, acrescenta-se ao estigma do incesto a recorrência da pedofilia. Relações entre tios e sobrinhas ou tias e sobrinhos, especialmente se os tios em questão forem irmãos biológicos dos pais, também costumam ser estigmatizadas, mas, à medida que o fator sangue se torna mais distante, as relações crescem em aceitação. Primos de primeiro grau não podem se casar em alguns estados norte-americanos, por exemplo, mas em outros lugares – inclusive dentro dos próprios Estados Unidos –, isso é perfeitamente possível. No Brasil, não prevalece qualquer condenação nesse sentido. Relações entre parentes ligados por casamento ou afinidade são mais flexíveis. Embora uma relação, por exemplo, entre uma madrasta e seu enteado seja malvista, a condenação não recai sobre uma suposta característica incestuosa, mas sobre o caráter dos envolvidos e o prejuízo a terceiros (no caso, o pai). Há certa polêmica quanto às relações praticadas entre pais e filhos adotivos. Para efeitos legais, considera-se incesto, já que os filhos adotivos, via de regra, têm o mesmo status que os naturais.


História e religião

O tabu do incesto, portanto, é universal porque todas as sociedades, ao classificarem certos casamentos entre parentes como incestuosos, os proíbem. Entretanto, as diferentes noções familiares fazem com o que seja considerado incesto em um lugar não seja necessariamente em outro. A história humana tem exemplos em que o incesto já foi, inclusive, louvado dentro de certas conjunturas sociopolíticas. O caso mais conhecido é o do Antigo Egito, quando era desejável o casamento entre irmãos membros da família real, grosso modo como forma de preservar a pureza da família.

Na religião, há casos de incesto nas mitologias de vários povos e referências até mesmo na Bíblia. A passagem mais notória é a de Lot, o mesmo que teve a esposa transformada em sal na fuga da cidade de Sodoma, supostamente destruída por Deus. Consta que suas filhas o teriam embebedado e cometido incesto com ele durante a viagem...


Faz mal para a saúde?

Um dos argumentos mais recorrentes para justificar a condenação ao incesto é que seria uma forma de evitar a proliferação de doenças congênitas entre indivíduos que, por se originarem de pessoas da mesma família e serem geneticamente muito semelhantes, teriam mais chances de expressá-las. Trata-se, portanto, de um argumento biológico.

Embora haja um quê de verdade nisso, a idéia é pouco consistente, pois, para se tornarem efetivamente um problema, essas doenças dependem do tamanho da população. Em outras palavras, quanto maior o número de pessoas, mais limitado o problema – e há de se considerar os avanços da medicina.  Ademais, nas populações pequenas, embora haja um crescimento inicial dessas doenças, a tendência é sua redução posterior, pois pessoas com falhas genéticas ou doenças congênitas graves tendem a não se reproduzir, diminuindo a proliferação genética defeituosa.

Dessa forma, o tabu do incesto é quase totalmente de origem social e parece estar mais ligado a valores e interesses dessa esfera, inclusive econômicos.